A complexa questão do aborto, cuja polêmica decorre
preliminarmente do questionamento acerca de quando começa ou não a vida, tem
sido objeto de inúmeros debates e suscitado as mais diversas discussões entre
cientistas, biólogos, filósofos, juristas...
chegando inclusive a ser assunto de considerável relevância para o homem
comum.
A ADPF 54, interposta no Supremo Tribunal Federal em junho de 2004, a qual teve como relator o Ministro Marco Aurélio, até hoje vem enfrentando muitas divergências, pois envolve questões de ampla repercussão moral e religiosa em vista dos princípios constitucionais da dignidade da pessoa humana (art. 1º, IV), principio da liberdade e autonomia (art. 5º. II) e da saúde (art.6º. e 196). Analisou-se nessa ação o pedido de liminar cautelar, que tinha por objetivo suspender o andamento de processos ou dos efeitos de decisões judiciais que tenham como réus os profissionais da saúde que foram acusados de infringir os artigos 124, 126 e 128 do CPB – que versam sobre o aborto e suas excludentes, que também fosse concedido às mulheres gestantes de fetos com anencefalia o direito se submeter à interrupção terapêutica de parto, até a resolução da matéria em definitivo pelo STF.
Na verdade, o objetivo principal da ADPF 54 não é promover uma excludente de ilicitude em relação ao aborto, e sim assegurar as mulheres, gestantes de fetos com anencefalia a possibilidade de fazer a interrupção terapêutica de parto para evitar lesões aos princípios fundamentais de sua dignidade, o sofrimento, danos à saúde e ao principio de autonomia da vontade, uma vez que se ela assim não desejar, não será submetida a tratamento que considere desumano ou contrário as suas crenças ou convicções pessoais.
No tocante a essa temática, é imprescindível destacar que a vida é o bem supremo do homem, é o direito humano primário e fundamental do qual decorre todos os demais direitos. Nesse sentido, a Declaração Universal dos Direitos Humanos é precisa e categórica. No âmbito do ordenamento jurídico pátrio, tal direito encontra-se elencado no artigo 5º, caput, da Constituição Federal de 1988: "... a inviolabilidade do direito à vida ...". Essa proclamação é igualmente inscrita e reproduzida no artigo 2º do Código Civil Brasileiro de 2002 que prescreve: "a personalidade civil da pessoa começa do nascimento com vida; mas a lei põe a salvo, desde a concepção, os direitos do nascituro". O que também se verifica no artigo 7o do Estatuto da Criança e do Adolescente – ECA (Lei número 8.069/90). Nessa dimensão, saliente-se ainda que a Carta Constitucional brasileira, em seu artigo 5º, inciso XLVII, alínea “a”, proíbe a pena de morte, admitindo-a apenas excepcionalmente em caso de guerra (artigo 84, XIX). O próprio Código Penal em seu artigo 124, considera o aborto em si mesmo ou consentido como um crime contra a vida, tornando-o possível somente em caso de estupro ou quando ocorrer risco de vida da própria mãe – artigo 128 do Código Penal Brasileiro.
Ainda que se tratando de feto anencefálico, não se deve considerar como indispensável a antecipação da morte do anencéfalo, sob a alegação de possíveis riscos de vida da gestante. Afinal, o código de ética médica assevera que na ocorrência de complicações na gravidez, devem ser empreendidos todos os esforços necessários para salvar tanto a mãe como o filho, e não realizar como única alternativa a morte planejada/premeditada de um deles. Ao ser humano não lhe foi dado o direito de tirar ou abreviar à vida, pois esta é um dom, a que o homem deve preservá-lo e valorizá-lo em sua plenitude.
O respeito à vida, em qualquer dos estágios em que ela se encontrar, constitui uma tarefa delegada a todos, sobretudo, nesse tempo contemporâneo da civilização humana. A natureza só se anima e ganha sentido quando a vida se manifesta punjantemente nela, em todas as suas dimensões, tanto material como espiritual, nos seus planos vegetal e animal.
Os argumentos que justificam a morte do anencéfalo são os mesmos que justificam a subtração da vida de qualquer outra pessoa. A finalidade primária da existência de toda a ciência deve consistir unicamente para servir ao homem, em prol do seu progresso evolutivo em razão do seu crescimento espiritual e tecnológico, caso contrário, estará restrita a um conjunto de conhecimentos vazio, desprovido de qualquer sentido.
Por último, enfatize-se que seria muito melhor e interessante, se o homem procurasse refletir mais sobre a vida do que acerca da morte. Dessa forma, estaria evitando tantas frustrações e sofrimentos que plasmam a criatura humana em sua eterna busca da razão que justifique o valor e significado da vida.
Postado por Antonio de Pádua.