Os Tribunais pátrios sempre
reconheceram o entendimento da Doutrina em relação à Teoria da Imprevisão,
embora suas posições tenham revelado um certo rigor no que diz respeito a sua
aplicabilidade. Em razão disso, é mister recordar que o Supremo Tribunal
Federal em algum momento já decidiu que - a regra rebus
sic stantibus não é contrária a texto expresso da lei nacional.
Nesse sentido, Azevedo (2009), menciona um importante
julgado da 3ª Câmara Civil do Tribunal de Justiça do Estado de Pernambuco, cujo
Relator foi o então Desembargador Djaci Falcão, no qual asseverava como
justificativa para aplicação da teoria da imprevisão, a necessidade de evento
que venha alterar a situação inicial do contrato, devendo ser ele “excepcional,
extraordinário, imprevisto e imprevisível, que modifique de modo sensível e
chocante o ambiente em que se formou a voluntas contrahentium”, exigindo-se
também a análise de cada caso “em si mesmo no tempo e no espaço sob o critério
da eqüidade’’. Tal argumento comprova uma advertência da 5ª Turma do extinto
Tribunal Federal de Recursos, segundo a qual o STF só admite a aplicação da
teoria da imprevisão “em casos especialíssimos”.
Tais decisões evidenciadas servem apenas
para ilustrar as inúmeras discussões que surgiram no âmbito da Doutrina a respeito da problemática genérica e
acadêmica relativa à resolução de contratos por onerosidade excessiva.
Entretanto, já existe uma série de aspectos práticos considerados de grande
relevância, atinentes à aplicação do artigo 478 do Código Civil, que ainda
necessitam de uma análise mais sistemática e objetiva pela Doutrina (SANCHES,
2005).
Nelson Borges
pondera que, na jurisprudência pátria, o requisito de elevada vantagem do
credor tem sido atenuado: “os nossos juízes e tribunais têm concedido o
benefício revisional – quando fundado em evento imprevisível – sem levar em
conta a exigência da extrema vantagem para o credor. O acréscimo é altamente
discutível pelo seu iter subjetivo, nem sempre presentes em situações anômalas,
que sancionam a aplicação da doutrina, sendo irrelevante que a parte credora
esteja na iminência de auferir a extrema vantagem. Melhor teria sido apenas a
referência ao termo “vantagem”, situação que ocorre na maioria das
vezes”(BORGES, 2002).
Importante ainda é destacar que na apelação Cível n°
652.006-00/0, do Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo através de sua 10ª
Câmara, o Desembargador Irineu Pedrotti advertiu que: “Não há critério objetivo
definindo o que seja a onerosidade excessiva, de onde remete-se ao prudente
arbítrio do Magistrado a formação da sua convicção sobre eventual
ocorrência”(LEX, 2003).
A seguir serão elencadas algumas decisões
jurisprudenciais, nas quais foram verificadas a existência de onerosidade
excessiva, que uma vez sofrida por um dos contratantes, acabou tornando a
execução contratual insuportável para ele.
STJ. Plano de saúde. Consumidor. Contrato de seguro
saúde. Cláusula abusiva. Onerosidade excessiva. Submissão do segurado à
cirurgia que se desdobrou em eventos alegadamente não cobertos pela apólice.
Necessidade de adaptação a nova cobertura, com valores maiores. Segurado e
familiares que são levados a assinar aditivo contratual durante o ato
cirúrgico. (Doc. LEGJUR 103.1674.7548.2000, CDC, art. 51).
O objetivo do plano de saúde é garantir a proteção do
assegurado contra acontecimento futuro e incerto. Quando há necessidade de
salvar-se, o Código Civil colocou o estado de perigo como efeito de negócio
jurídico. Sendo que a exigência de seus familiares para assinar outro contrato,
configura dolo de aproveitamento da outra parte, “obrigação excessivamente
onerosa”. Contudo, o art. 51, do Código de Defesa do Consumidor, determina que
a onerosidade excessiva será nula quando se tratar de desvantagem do consumidor
perante pagamento de algo do qual já gozava. Os familiares, nesse caso, devem,
todavia, demonstrar a ocorrência de onerosidade excessiva para que o negócio
jurídico seja anulado, pois a assinatura de um novo contrato torna-se
desnecessária, e abusiva seria a cláusula contratual, quando ao assegurado, só
interessa o bom êxito do procedimento cirúrgico, pois tal fato agravaria a
situação de aflição psicológica e de angústia no espírito do mesmo, uma vez que
no momento, de pedir a autorização da seguradora, encontrava-se emocionalmente
abalado, e com a saúde debilitada.
2º TACiv.SP. Contrato. Consumidor. Teoria da imprevisão.
Onerosidade excessiva. Cláusula rebus sic stantibus. Considerações sobre tema.
CDC, art. 6º, V. CCB/2002, arts. 478 e 480. ((Doc. LEGJUR 103.1674.7362.0900).
Essa decisão trata da cláusula rebus sic
stantibus que figura a Teoria da Imprevisão, a qual ainda é muito criticada
e até rejeitada pelo absolutismo do pacta sunt servanda. O primeiro ponto
primordial desse julgado é a incidência de onerosidade excessiva, que são
cláusulas contratuais que estabelecem prestações desproporcionais ou sua
revisão em razão de fatos supervenientes que as tornem excessivamente onerosas.
O segundo ponto é a ausência de previsibilidade que pode ser tanto objetiva
como subjetiva, a objetiva é a falta de previsão que pode ser feita pelo homem
médio, normal, pessoal do agente, como por exemplo, escolaridade, formação, inteligência,
etc.
STJ. Arrendamento mercantil. Leasing. Ação civil pública.
Maxidesvalorização do real. Variação cambial. Onerosidade excessiva.
Consequências que devem ser suportadas de forma equitativa pelas partes.
Precedentes do STJ. Lei 7.347/85, art. 1º. (Doc. LEGJUR 103.1674.7497.6100).
Nos contratos de arrendamento mercantil, o arrendatário
ao selecionar o bem deve anuir as dividas das parcelas de forma típica,
entretanto em determinados casos tais parcelas se tornam excessivas, ainda mais
quando se tratar de parcelas que tiveram como indexador o dólar
norte-americano. Tomando como base tal situação, “o MPDFT ajuizou Ação Civil
Pública, em 1999, contra a América do Sul Leasing S/A Arrendamento Mercantil,
sucedida posteriormente pela ABN AMRO, pedindo a anulação da cláusula que
previa a indexação das parcelas dos contratos de leasing pela variação cambial
do dólar” (MELO, 2010).
Na época, o Governo Federal mantinha a moeda nacional
estável em relação ao dólar norte-americano, o que atraiu vários consumidores a
celebrar contratos indexados à variação daquela moeda (MELO, 2010). Nesse
processo tanto na primeira instância, quanto na superior, o parecer foi o
mesmo, pois nesse tipo de contrato o indexador a ser utilizado não seria mais o
americano, por estar prejudicando o consumidor, e sim o agora o índice nacional
de preços aos consumidores.
STJ Súmula nº 297 - 12/05/2004 - DJ 09.09.2004. O Código
de Defesa do Consumidor é aplicável às instituições financeiras. Código de Defesa do Consumidor - Instituições
Financeiras – Aplicação. Revisão
Contratual “exofficio” de contratos bancários. A revisão contratual
‘exofficio’, por quanto não se cogita sob argumentação de ocorrência de vício
de consentimento, toma-se para tanto, como eixo a aplicação da teoria da
imprevisão (Rebus sic standibus).
Contudo nos casos de revisão
contratual observa-se também sob sua condução as relações contratuais
bancárias, tomando como base o art.478 do Código Civil vigente, atentando não
para sua resolução, mas sim no que concerne a sua revisão. Ressalve-se ainda
que a mesma decisão vem fundamentada no art.3º, §2º do CDC , a saber:
Art. 3º - Fornecedor é toda
pessoa física ou jurídica, pública ou privada, nacional ou estrangeira, bem
como os entes despersonalizados, que desenvolvem atividades de produção,
montagem, criação, construção, transformação, importação, exportação,
distribuição ou comercialização de produtos ou prestação de serviços.
§ 1º - Produto é qualquer
bem, móvel ou imóvel, material ou imaterial.
§ 2º - Serviço é qualquer
atividade fornecida no mercado de consumo, mediante remuneração, inclusive as
de natureza bancária, financeira, de crédito e securitária, salvo as
decorrentes das relações de caráter trabalhista.
Destarte, conforme mencionado, tem-se a revisão contratual quando
a Súmula acima citada é aplicada como um caráter fundamental arbitrado a favor
do povo brasileiro quando referente aos contratos bancários, mesmo havendo
decisões posteriores em conflito com essa vertigem majoritária, tendo elas
grande peso em função do caráter obrigatório do contrato, desde que não se
comprove a onerosidade excessiva.
Postado por Antonio de Pádua.
AZEVEDO, Álvaro Villaça.
Inaplicabilidade da teoria da imprevisão e onerosidade excessiva na extinção
dos contratos. In: Âmbito Jurídico, Rio Grande, 63, 01/04/2009.Disponível
em:<
http://www.ambito-juridico.com.br/site/index.php?n_link=revista_artigos_leitura&artigo_id=5890>.
Acesso em 12 Maio 2011.
BORGES, Nelson, in “A Teoria
da Imprevisão no Direito Civil e no Processo Civil”. p. 323, 2002.
LEX, Jurisprudência dos
Tribunais de Alçada Civil de São Paulo. vol. 201, p. 483, 2003.
SANCHES,
Sydney. Resolução de contratos por onerosidade
excessiva. Outubro, 2005. Disponível
em: <
http://www.conjur.com.br/2005-out-25/resolucao_contratos_onerosidade_excessiva>.
Acesso em: 20 Maio 2011.
MELO, Gilberto. Turma mantém
decisão sobre contratos de leasing ajustados por variação cambial. Disponível
em: <
http://gilbertomelo.com.br/jurisprudencias-e-noticias/46/2608-turma-mantem-decisao-sobre-contratos-de-leasing-ajustados-por-variacao-cambial>.
Acesso em: 18 Maio 2011.