sábado, 1 de outubro de 2011

Função Jurisdicional do Estado: breves comentários

Ao Estado compete exercer as funções executiva, legislativa e jurisdicional, cada uma com atribuições e características próprias. Em relação a função jurisdicional, podemos conceituá-la como a atividade preponderante exercida pelo Estado para solucionar os conflitos de interesses não dirimidos na esfera extrajudicial, conflitos esses, decorrentes de disputas litigiosas, cuja solução, necessita da ação interventiva do Estado.

Observamos que a atuação jurisdicional estatal só acontece diante da existência de um litígio não solucionado, sem este, ela não ocorreria. Nesse sentido, é importante ressaltar que o Estado historicamente nem sempre deteve o monopólio da jurisdição, basta lembramos o tempo da justiça privada, quando se fazia “justiça com as próprias mãos”.

Uma vez provocado os órgãos jurisdicionais, eles não podem deixar de atuar, pois trata-se de um dever do Estado determinado pela Constituição Federal. No sistema jurídico brasileiro adotou-se o Princípio da Unidade de Jurisdição, segundo o qual o particular depois de recorrer a mais elevada instância administrativa, não está impedido de acionar o Poder Judiciário para tutelar aquilo que lhe foi negado no plano administrativo.

Jurisdição é gênero, da qual são espécies a jurisdição contenciosa e jurisdição voluntária, há ainda os que falam da chamada jurisdição administrativa. A jurisdição contenciosa caracterizada pela ocorrência de litígio (interesses em conflito), expressa a necessidade de processo judicial, no qual se encontram as denominadas partes em pólos extremos (autor e réu), culminando na prolação da sentença de mérito, se atendida as condições da ação e verificada a presença dos pressupostos processuais, pois a não existência desses elementos gera a extinção do processo sem resolução do mérito (art. 267 do CPC). Nas palavras de (MONTENEGRO FILHO, 2011, p. 53), “a sentença proferida nos processos de jurisdição contenciosa é traumática, ou seja, benéfica a uma das partes e prejudicial ao interesse da parte contrária”.

Já a jurisdição voluntária, é bastante semelhante à função executiva (administrativa), visto que temos a figura do juiz, enquanto membro do Poder Judiciário,na condição de um autêntico administrador. Todavia, é mister evidenciar que na jurisdição voluntária, o magistrado é investido de independência jurídica, ao contrário do que ocorre na função executiva, onde o administrador está submetido à “dependência hierárquica” Marques (1962).

Uma corrente de doutrinadores defende que na jurisdição voluntária não se constata “a presença de partes, mas de interessados, nem de processo, mas tão somente de procedimento, que é um minus em relação ao primeiro” (MONTENEGRO FILHO, 2011, p.54). Os procedimentos na jurisdição voluntária, disciplinados no CPC a partir do art. 1.103, podem ser iniciados através de requerimento do interessado ou pelo representante do Ministério Público. A atuação judicial se restringe à homologação de um acordo de vontades ou para demonstrar a regularidade do procedimento. O juiz decide em face de interesses não litigiosos.

Quanto às características da jurisdição, mencionamos: a substitutividade – o Estado substitui a vontade dos sujeitos envolvidos no conflito trazidos à sua apreciação; a imparcialidade – o juiz não deve ter interesse no litígio, nem envolvimento subjetivo com nenhuma das partes, deve chegar a justa solução do conflito a partir da análise dos fatos e das provas contidas no processo; a existência de lide/conflito de interesses – em regra, é somente com o surgimento de um conflito de interesses que o interessado dirige-se ao Estado-Juiz em busca de uma tutela jurisdicional; a inércia – só haverá atividade jurisdicional, se houver prévia provocação da parte interessada para iniciar o processo, e a imutabilidade – as decisões do Poder Judiciário, quando transitadas em julgado, se tornam definitivas, não cabem mais recurso, tornam-se indiscutíveis e imutáveis.

Por fim, os princípios da jurisdição, sendo eles: o da Investidura (a atividade jurisdicional só pode ser exercida por aquelas pessoas legitimadas em lei); o da Aderência ao território (a Constituição limita o território, onde o juiz pode desempenhar sua atuação jurisdicional, o STF, o STJ, e os demais Tribunais Superiores possuem jurisdição em todo território nacional); o da Indelegabilidade (nenhum órgão jurisdicional pode delegar suas funções para outro órgão. Só a lei pode fixar essa delegação, e não o magistrado à outro); o do Juiz natural (art. 5º, XXXVII e LIII, da CF/88); o da Inércia( art. 2º do CPC); o da Inevitabilidade (a decisão judicial inevitavelmente recai sobre as partes, e a ela deverão submeter-se. Não posso escusá-la de cumprir), e o da Indeclinalidade (ou princípio da inafastabilidade jurisdicional ou controle jurisdicional – art. 5º, XXXV, da CF/88, com exceção do art. 52, I e II, da referida Carta Constitucional).

MARQUES, José Frederico. Instituições de direito processual civil. 2.ed. Rio de Janeiro: Forense, 1962, v.1, p.328.
MONTENEGRO FILHO, Misael. Curso de direito processual civil: teoria geral do processo e processo de conhecimento. 7.ed. São Paulo: Atlas, 2011, v.1. p. 47-57.

Postado por Antonio de Pádua.

sábado, 5 de fevereiro de 2011

Algumas considerações sobre Direito e Moral.

Nos primórdios das civilizações egípcia, babilônia, chinesa, e até mesmo da grega, Direito, Religião e  Moral, não foram absorvidos pelo imaginário social como campos doutrinários distintos. Ao estudarmos as legislações daquela época, nos deparamos não apenas com prescrições jurídicas, mas também com normas de cunho moral e religioso. Naquele tempo, o Direito por não possuir autonomia, estava inserido e não raro era confundido com as práticas sociais vigentes (costumes). Pois a distinção entre Direito e Moral só foi imaginada muito depois, num período da cultura já bastante evoluído.

É mister destacar que os romanos, ou seja, os responsáveis pela sistematização da Ciência Jurídica, não foram diferentes dos demais povos, visto que conceberam o Direito a partir do pensamento filosófico grego. Entretanto, Paulo, um jurisconsulto romano ao compreender que “o permitido pelo Direito nem sempre está de acordo com a Moral”, talvez tenha sido um dos poucos pensadores que na Idade Antiga, reconheceu a especificidade do Direito.

Somente em 1713, durante o Iluminismo, que Thomasius apresentou suas ideias, sendo estas posteriormente exploradas por Kant, o que culminou na particularização do Direito em relação à Moral. A coercibilidade como principal característica do Direito, o distinguiu literalmente da Moral, esta por sua vez incoercível. Para Kant, a Moral é o julgamento dos motivos, das resoluções, da intenção e da consciência, enquanto o Direito cuida da conduta exterior do indivíduo e das expressões da vontade (GUSMÃO, 2010). Contestando Kant, basta afirmarmos que no direito penal a intenção é considerada, e no direito civil o contrato é interpretado de acordo com a vontade exteriorizada e a intenção do contratante. No âmbito da Teoria Geral do Direito, a “Escola de Exegese’’, ponderou que na interpretação da norma, é imprescindível questionar a intenção do legislador.

Outros doutrinadores, a exemplo de Jelinek, conceituaram o Direito como o mínimo ético. Maggiore definiu-o como a petrificação da Moral. Ripert, um notável civilista francês acredita que o aperfeiçoamento do Direito, só acontece verdadeiramente se ele receber permanentemente a influência de regras morais. Del Veechio salienta que além da coercibilidade peculiar ao Direito, é preciso considerar ainda a bilateralidade, outro elemento que o diferencia da Moral. Embora incorporando diversos preceitos morais, dando-lhes eficácia através de sanções aplicáveis pelos aparelhos (judiciário, policial, administração pública...), o Direito tem uma projeção muito mais ampla do que a Moral. Por muitas vezes a norma jurídica, disciplina situações consideradas incompatíveis com a Moral, como por exemplo, certos princípios norteadores do direito contratual, fundamentados no individualismo e no liberalismo, refutados pela moral cristã-ocidental (GUSMÃO, 2010).

Se nas primeiras civilizações, o Direito era confundido com a Moral, hodiernamente esta ainda continua a influênciá-lo, conforme é facilmente constatada nas regras de direito privado e penal. Normas morais como não matar e respeitar os símbolos sagrados estão prescritas na legislação penal. No direito privado, as regras morais adquirem maior visibilidade no direito de família. No direito público, a consciência moral se revela na subordinação à autoridade constituída, na consolidação e manutenção da ordem política. Enquanto o Direito é coercível, bilateral e heterônomo (sanção exterior), a Moral é incoercível, unilateral e autônoma (sanção interior).

Pela abordagem realizada, e analisando os princípios que serviram de base para a construção da noção ocidental de justiça, que segundo os romanos consiste em “não causar prejuízo a ninguém” e “dar a cada um o que lhe é devido”, sem dúvida nos leva a concluir que o princípio da boa-fé, alicerce de todas as relações jurídicas, é antes de tudo um pressuposto ético.

GUSMÃO, Paulo Dourado de. Introdução ao estudo do direito. 42. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2010.

Postado por Antonio de Pádua.