sexta-feira, 19 de outubro de 2012

O direito de voto do preso no Estado Democrático de Direito

O exercício da soberania popular manifestado por meio do direito/dever político de alistamento e de elegibilidade, assegurado a homens e mulheres, sem distinção de qualquer natureza, o qual é concretamente realizado através do sufrágio universal, um direito-dever de voto como contribuição individual de cada cidadão para a organização do Estado, constitui a base para a efetivação de um Estado Democrático de Direito que visa à construção de uma sociedade livre, justa e solidária, que respeite à dignidade da pessoa humana.


Os diplomas internacionais de Direitos Humanos garantem a todos os cidadãos o direito de expressar mediante eleições livres, através do voto secreto, sua opinião a respeito das administrações públicas federal, estadual e municipal, bem como acerca da correta aplicação dos recursos públicos ante a vontade maior por uma gestão verdadeiramente proba, transparente e democrática. Nesta esteira estabelece a Carta Política de 1988, a obrigatoriedade do voto aos maiores de dezoito anos, e a faculdade aos maiores de dezesseis e menores de dezoito anos de idade.

A Constituição Federal vigente dispõe ainda expressamente, que é vedada a cassação de direitos políticos, cuja perda ou suspensão só se dará nos casos de condenação criminal transitada em julgado, enquanto durarem seus efeitos (art. 15, III, CF/88). Na verdade, denota-se que tal preceito constitucional trata do próprio respeito ao princípio da presunção de inocência, também contemplado explicitamente no texto constitucional, visto que a culpabilidade só pode ser considerada a partir de decisão condenatória irrecorrível, sendo resguardado a todos os acusados em geral o contraditório e a ampla defesa, com os meios e recursos a ela inerentes.

Fazendo uma interpretação literal e restritiva da Lei Maior, é possível argumentar de forma tranquila e pacífica que o mandamento constitucional (art. 15, III CF/88) não abrange os presos provisórios, devendo ser garantido, obrigatoriamente, na prática o direito-dever de voto de todas as pessoas que se encontram presas (imputáveis, maiores de 18 anos de idade); bem como aos inimputáveis, maiores de 16 e menores de 18 anos de idade, ou seja, todos os infratores que estiverem apreendidos, com fulcro nas disposições do Estatuto da Criança e do Adolescente que desejarem facultativamente exercer o direito-dever cívico de participar do processo de eleições.

Em razão disso, àqueles que estão encarcerados em cadeias públicas e presídios, seja por prisão em flagrante delito, seja por prisão preventiva ou temporária, em razão de decretação de pronúncia e sentença condenatória recorrível, e não possuírem contra si condenação criminal firme, poderão em período eleitoral, exercer o direito constitucional consagrado e fundamental de votar, pois tal direito, trata-se, inclusive, de cláusula pétrea.

Neste sentido, reza ainda o artigo 38 do Código Penal com redação dada pela Lei n.º 7.209/84, que o preso conserva todos os direitos não atingidos pela perda da liberdade... Deve-se garantir aos presos a efetiva concretização dos direitos civis e políticos essenciais ao pleno exercício da cidadania, especificamente, o direito-dever de voto, em eleições livres e democráticas, para escolha dos representantes da administração pública municipal, estadual e federal, forma e sistema de governo.

Todavia, observa-se que o Estado por não garantir o exercício de todas as prerrogativas constitucionais aos cidadãos (ãs) presos (as), atesta a sua incompetência para gerir o seu sistema prisional, ao passo em que, não raro, constata-se uma omissão dos órgãos do Sistema de Justiça no que tange a efetivação desses direitos. Admite, também, o fracasso do sistema expresso pela superpopulação carcerária, a morosidade na tramitação dos processos criminais, o acesso limitado à assistência jurídica gratuita, e toda forma de violação dos direitos humanos de presos provisórios, condenados e de seus familiares.

A realidade subumana a que está submetida a considerável parcela da população brasileira que hoje se encontra encarcerada, reflete as fragilidades sociais de uma sociedade extremamente desigual, sobretudo, no que concerne o acesso à justiça e aos direitos humanos básicos. Torturas, maus-tratos, superlotação, penas vencidas, presos provisórios em permanente espera, humilhações de todas as formas... O sistema prisional brasileiro acoberta um contínuo cenário de terror, que insiste em se manter entre nós, onde somente em um Estado de exceção se justificaria a suspensão dos direitos políticos ativos. É justamente em função disso, que o direito de votar é uma conquista de toda a sociedade brasileira, e que o Estado não tem o direito de violá-lo ou suprimi-lo.

Por outro lado, é sabido que além do estigma da exclusão social, o preso ainda parece está completamente ignorado ou abandonado, por aqueles incumbidos de tomarem as decisões no âmbito das políticas públicas, quando não o inclui no disputado universo do eleitorado, não lhe dando representatividade alguma nas esferas de poder, colocando-o muitas vezes à margem dos direitos fundamentais da pessoa humana, sem assegura-lhe sequer os instrumentos institucionalizados eficientes para reivindicá-los.

Uma situação diversa poderia ser vislumbrada, caso lhe fosse respeitado o direito de votar. Pois seria suscitada pelo menos em tese, a discussão e a formação crítica dos encarcerados, seria, até mesmo, uma forma de serem ouvidos, sem recorrer a mecanismos violentos. Evidentemente, a garantia do direito ao voto, por si só, não vai alterar o atual panorama carcerário do Brasil.. Entretanto, seria dada aos presos esta chance.

Postado por Antonio de Pádua.




terça-feira, 31 de julho de 2012

A publicização do Direito Privado e sua incidência no âmbito das relações consumeiristas

A clássica divisão romana do direito em público e privado, parece não mais corresponder ao atual cenário jurídico e nem satisfazer as complexas relações apresentadas pela sociedade moderna. Para alguns juristas, essa bipartição tradicional, na prática não tem grande relevância, uma vez que o Direito deve ser compreendido na sua totalidade. Hodiernamente, entre essa famosa classificação, verifica-se o Direito misto (teoria mista), pois este abrange normas tanto do direito público quanto do privado, tutelando ambos.

Dessa forma, é possível a atuação de entidades de direito público como particulares, devendo as mesmas serem tratadas como tais, se submetendo, portanto, à legislação do direito privado. Situação similar ocorre no âmbito privado, onde as instituições estatais podem exercer suas vontades, diminuindo a autonomia do particular, constituindo preceitos de ordem pública, entretanto, devendo ser concebidas como relações privadas.

Antes de conceituar esse fenômeno da publicização do direito privado, é necessário observar que o mesmo não pode ser confundido com a sua própria constitucionalização. Embora, as constituições contemporâneas, influenciadas pela Constituição de Weimar, sejam revestidas de diversas normas acerca das relações privadas, reduzindo a atuação dos particulares.

No entanto, por publicização do direito privado, entende-se como um processo de intervenção do Estado, cada vez mais crescente, cuja finalidade é assegurar o direito dos indivíduos que numa relação jurídica, se encontram em condições de vulnerabilidade. A esse respeito, Netto Lôbo esclarece que: “Durante muito tempo, cogitou-se de publicização do direito civil, que para muitos teria o mesmo significado de constitucionalização. Todavia, são situações distintas.  A denominada publicização compreende o processo de crescente intervenção estatal, especialmente no âmbito do legislativo, característica do Estado Social do Século XX. Tem-se a redução do espaço da autonomia privada, para a garantia da tutela jurídica dos mais fracos. A ação intervencionista ou dirigista do legislador terminou por subtrair do Código Civil matérias inteiras, em alguns casos transformadas em ramos autônomos, como o direito do trabalho, o direito agrário, o direito das águas, o direito da habitação, o direito de locação de móveis urbanos, o estatuto da criança e do adolescente, os direitos autorais e o direito do consumidor.” (NETTO LÔBO, 2011, p. 1).

Certo é que o direito privado, inegavelmente assumiu uma nova roupagem. O intervencionismo estatal nas relações privadas se revela na defesa dos mais frágeis, como uma decorrência das exigências atuais da função do Estado perante a sociedade.  A publicização do direito privado, na concepção de alguns juristas, também pode ser substituída por dirigismo contratual, conforme evidencia José Lourenço: “Além das restrições oriundas da imperatividade das normas jurídicas, há também os limites à autonomia da vontade oriundos do fenômeno do dirigismo contratual, ou seja, a intervenção estatal na economia dos negócios de qualquer espécie. O dirigismo suentende que, se os contratantes pactuassem os negócios jurídicos com total liberdade, sem que o poder estatal pudesse intervir para mitigar o princípio pacta sun servanda – mesmo quando uma das partes ficasse em completa ruína – a ordem jurídica estaria assegurando apenas a igualdade perante a lei.” (LOURENÇO, 2001, p. 20).

A interferência do Estado nas relações privadas ao longo do tempo é algo inegável e cada vez mais intenso. O que se observa na atualidade, são entes públicos atuando sob a orientação e proteção da legislação privada, bem como instituições privadas desempenhando funções que do ponto de vista legal, são tipicamente estatais.

O Estado a partir do final do século XX e início do século XXI volta novamente a regular a economia e interferir no paradigma do livre-mercado em face da crise dos direitos subjetivos enquanto direitos diretamente e tão-somente privados. Tais direitos passaram a ser confrontados com um modelo publicista, culminando, dessa forma, numa maior complexização das relações técnicas, econômicas, e consequentemente, jurídicas.

A globalização do mercado impõe desafios urgentes ao Estado. De acordo com (LIMA; OLIVEIRA 2009), o âmbito do protecionismo deve ser ampliado na dimensão da estrutura do complexo e extremamente competitivo mercado, onde a corrida pelo crescimento do segmento do consumo aconteça através da respeitabilidade do ser humano.

A Constituição Federal de 1988 prevê a democratização e a igualdade, como características que também favorecem esse crescimento da participação interventiva do Estado com a finalidade de garantir essa equalização esboçada constitucionalmente.

No caso brasileiro, optamos por uma Constituição para a construção de um Estado de Direito Democrático. Toda ação na economia que possa vir a ultrapassar essas fronteiras, é uma ação conspiratória contra a democracia. Daí a necessidade, não de domar os mercados, mas de possibilitar a atuação deles nos limites da lei. E dentro dos limites da lei, devem estar sujeitos ao controle final do Poder Judiciário. A discussão do tema acontece em um momento oportuno, principalmente quando se retoma a questão do papel das chamadas agências reguladoras. Voltemos à discussão: o Estado há que ser o senhor absoluto, atuando sobre todas as coisas, ou o Estado há que ser apenas uma organização da sociedade, para viabilizar, num sistema de liberdade, o bem comum? Há quem diga que as exigências reguladoras não podem ser instituições absolutamente livres porque assim vão contrariar os interesses da sociedade.

Nesse sentido, menciona-se o direito do consumidor, que embora pertencente ao ramo do direito privado, reflete diretamente essa tendência do Estado de regular as relações jurídicas entre os particulares e da necessidade de uma regulamentação das relações de consumo a partir da admissão no direito positivo, no âmbito constitucional da dignidade da pessoa humana (art. 1º, III, CF/88) e da tutela dos direitos do consumidor no mercado.

No entendimento de Lima e Oliveira Júnior (2009), constatou-se o reconhecimento da condição de vulnerabilidade (técnica, econômica, jurídica etc) a que o consumidor fica submetido nas relações de consumo. Portanto, entende-se como consumidor àquele destinatário final que faz uso das vantagens econômicas do bem ofertado e que na relação se apresenta em posição vulnerável. Entretanto, a definição de consumidor é bastante ampla, abrange sujeitos determináveis (relação de direta de consumo) ou não (acidentados em sinistro são consumidores por força de responsabilidade objetiva do fornecedor).

A função reguladora do Estado revela-se como mecanismo de defesa preventivo, sistemático, contínuo do consumidor, com o objetivo de imprimir uma cultura mercadológica de conciliação das atividades de prestação de serviços aos ditames protecionistas consumeristas legais. Nesse sentido, o Direito Público criou mecanismos de regulação, a exemplo, do Ministério Público, que adquiriu amplas possibilidades investigatórias em relação ao consumo, inserindo-se nessa questão o poder de polícia dos PROCONS (Agência de Proteção e Defesa do Consumidor) que atuam em todo o Brasil, e dos SACS (serviços de atendimento ao consumidor), sendo tais mecanismos decorrentes desse modelo regulatório do publicista enquanto dimensão da juridicidade normativa e tuteladores da dignidade da pessoa humana pelo Estado (LIMA; OLIVEIRA JÚNIOR, 2009).

No que se refere aos instrumentos, torna-se oportuno enfatizar ainda, que os mesmos advertem para a necessidade de aplicação das inovações elencadas pelo Código de Defesa do Consumidor, a partir de seus princípios: princípio da boa-fé (art. 4º, III, do CDC); princípio do equilíbrio (equivalência) contratual (art. 4º, III, do CDC); princípio da vedação de cláusulas abusivas (art. 51, do CDC); princípio da igualdade (art. 6º, II, do CDC e art. 5º, caput, da Constituição Federal, e princípio da transparência (art. 6º, II; 31 e 46 do CDC).

Por fim, a realidade fática de vulnerabilidade do consumidor no mercado resulta em uma relação jurídica vinculante entre proteção estatal e regulação do mercado. Diante dessa situação, o Estado resolveu instituir as agências de regulação da atividade econômica, dentre as quais, citem-se aqui a ANATEL (Agência Nacional de Telecomunicações), ANEEL (Agência Nacional de Energia Elétrica) e ANAC (Agência Nacional de Aviação Civil), sendo estas, exemplos de entidades administrativas criadas com assento na própria Carta Magna de 1988, em seu artigo 84, IV, como forma de proteção dos interesses privados dos consumidores como interesses dos entes públicos.

Postado por Antonio de Pádua.

sexta-feira, 11 de maio de 2012

A interrupção de gravidez de feto anencefálico em face do direito à vida, à saúde, à liberdade, dos princípios da dignidade da pessoa humana e da autonomia de vontade

A complexa questão do aborto, cuja polêmica decorre preliminarmente do questionamento acerca de quando começa ou não a vida, tem sido objeto de inúmeros debates e suscitado as mais diversas discussões entre cientistas, biólogos, filósofos, juristas...  chegando inclusive a ser assunto de considerável relevância para o homem comum.

A ADPF 54, interposta no Supremo Tribunal Federal em junho de 2004, a qual teve como relator o Ministro Marco Aurélio, até hoje vem enfrentando muitas divergências, pois envolve questões de ampla repercussão moral e religiosa em vista dos princípios constitucionais da dignidade da pessoa humana (art. 1º, IV), principio da liberdade e autonomia (art. 5º. II) e da saúde (art.6º. e 196). Analisou-se nessa ação o pedido de liminar cautelar, que tinha por objetivo suspender o andamento de processos ou dos efeitos de decisões judiciais que tenham como réus os profissionais da saúde que foram acusados de infringir os artigos 124, 126 e 128 do CPB – que versam sobre o aborto e suas excludentes, que também fosse concedido às mulheres gestantes de fetos com anencefalia o direito se submeter à interrupção terapêutica de parto, até a resolução da matéria em definitivo pelo STF.

Na verdade, o objetivo principal da ADPF 54 não é promover uma excludente de ilicitude em relação ao aborto, e sim assegurar as mulheres, gestantes de fetos com anencefalia a possibilidade de fazer a interrupção terapêutica de parto para evitar lesões aos princípios fundamentais de sua dignidade, o sofrimento, danos à saúde e ao principio de autonomia da vontade, uma vez que se ela assim não desejar, não será submetida a tratamento que considere desumano ou contrário as suas crenças ou convicções pessoais.

No tocante a essa temática, é imprescindível destacar que a vida é o bem supremo do homem, é o direito humano primário e fundamental do qual decorre todos os demais direitos. Nesse sentido, a Declaração Universal dos Direitos Humanos é precisa e categórica. No âmbito do ordenamento jurídico pátrio, tal direito encontra-se elencado no artigo 5º, caput, da Constituição Federal de 1988: "... a inviolabilidade do direito à vida ...". Essa proclamação é igualmente inscrita e reproduzida no artigo 2º do Código Civil Brasileiro de 2002 que prescreve: "a personalidade civil da pessoa começa do nascimento com vida; mas a lei põe a salvo, desde a concepção, os direitos do nascituro". O que também se verifica no artigo 7o do Estatuto da Criança e do Adolescente – ECA (Lei número 8.069/90). Nessa dimensão, saliente-se ainda que a Carta Constitucional brasileira, em seu artigo 5º, inciso XLVII, alínea “a”, proíbe a pena de morte, admitindo-a apenas excepcionalmente em caso de guerra (artigo 84, XIX). O próprio Código Penal em seu artigo 124, considera o aborto em si mesmo ou consentido como um crime contra a vida, tornando-o possível somente em caso de estupro ou quando ocorrer risco de vida da própria mãe – artigo 128 do Código Penal Brasileiro.

Ainda que se tratando de feto anencefálico,  não se deve  considerar como indispensável  a antecipação da morte do anencéfalo, sob a alegação de possíveis riscos de vida da gestante. Afinal, o código de ética médica assevera que na ocorrência de complicações na gravidez, devem ser empreendidos todos os esforços necessários para salvar tanto a mãe como o filho, e não realizar como única alternativa a morte planejada/premeditada de um deles. Ao ser humano não lhe foi dado o direito de tirar ou abreviar à vida, pois esta é um dom, a que o homem deve preservá-lo e valorizá-lo em sua plenitude.

O respeito à vida, em qualquer dos estágios em que ela se encontrar, constitui uma tarefa delegada a todos, sobretudo, nesse tempo contemporâneo da civilização humana. A natureza só se anima e ganha sentido quando a vida se manifesta punjantemente nela, em todas as suas dimensões, tanto material como espiritual, nos seus planos vegetal e animal.

Os argumentos que justificam a morte do anencéfalo são os mesmos que justificam a subtração da vida de qualquer outra pessoa. A finalidade primária da existência de toda a ciência deve consistir unicamente para servir ao homem, em prol do seu progresso evolutivo em razão do seu crescimento espiritual e tecnológico, caso contrário, estará restrita a um conjunto de conhecimentos vazio, desprovido de qualquer sentido.

Por último, enfatize-se que seria muito melhor e interessante, se o homem procurasse refletir mais sobre a vida do que acerca da morte. Dessa forma, estaria evitando tantas frustrações e sofrimentos que plasmam a criatura humana em sua eterna busca da razão que justifique o valor e significado da vida.

Postado por Antonio de Pádua.

sábado, 4 de fevereiro de 2012

O acesso à justiça como um direito fundamental na Constituição Federal de 1988

Os direitos inerentes à pessoa humana, também denominados direitos fundamentais, adquirem maior relevância com o próprio agir humano. O Direito, tanto na sua dimensão doutrinária, como no âmbito de suas normas positivadas, e até mesmo na sua esfera internacional ou no campo constitucional, se utiliza das mais diferentes expressões para designar os direitos fundamentais.

A Constituição Brasileira de 1988 distribuiu tais direitos através dos seguintes dispositivos: art. 4º, inciso II (direitos humanos); epígrafe do título II e art. 5º, § 1º (direitos fundamentais); art. 5º, inciso LXXI (direitos constitucionais), e art. 60, § 4º, inciso IV (direitos individuais).

No que concerne ao acesso à justiça como um desses direitos fundamentais, o Texto Constitucional, no inciso LXXIV do seu art. 5º, determina que: “O Estado prestará assistência jurídica integral e gratuita aos que comprovarem insuficiência de recursos”. Todavia, ao serem abordados os dispositivos constitucionais que garantem o acesso do cidadão ao Judiciário, não significa dizer que este acesso tenha que ser necessariamente aos tribunais como se entendia até pouco tempo, pois, num Estado Democrático de Direito, que visa a formação de uma sociedade justa, solidária e pluralista, a justiça, indubitavelmente, deve ser eleita como um valor supremo.

No entendimento de Cappelletti e Bryant Garth (1988), o direito à assistência jurisdicional é o mais essencial de todos os direitos humanos que os ordenamentos jurídicos modernos e igualitários podem garantir. Entretanto, para que esse crescimento do acesso efetivo à justiça como um direito fundamental básico nas sociedades modernas aconteça, é necessário reconhecer que essa definição de “efetividade” é por si só, algo bastante superficial.

Outra observação importante a respeito do acesso à justiça e dos direitos individuais fez Greco (1998), segundo ele “antes de assegurar o acesso à proteção judiciária dos direitos fundamentais, deve o Estado investir o cidadão diretamente no gozo de seus direitos ficando a proteção judiciária, através dos tribunais, como instrumento sancionatório, no segundo plano acionável, apenas quando ocorrer alguma lesão ou ameaça a um desses direitos” (GRECO, 1998, p. 70).

Nesse sentido, é importante ressaltar que um cidadão, ao conseguir, de forma plena, o deferimento de suas reivindicações perante os órgãos jurisdicionais, não só teve acesso às dependências físicas do tribunal, mas exerceu, satisfatoriamente, o seu pleno e autêntico direito de igualdade. Nessa perspectiva, cabe destacar o inciso XXXV do art. 5º da Carta Magna de 1988: “a lei não excluirá da apreciação do Poder Judiciário lesão ou ameaça a direito”, norma esta que, por possuir aplicação imediata, demonstra claramente que o acesso à justiça não consiste apenas em adentrar na instituição judiciária, acompanhado de advogado patrocinado pelo Estado (defensor público) ou não, e sim, em ter a certeza de uma atuação eficaz da justiça, sem a qual o ser humano não viveria socialmente em harmonia (PAULA, 2002).

O tão propagado princípio da dignidade da pessoa humana, estabelecido na Constituição (art. 1º, inciso III), parece não possuir eficácia e nem tão pouco aplicabilidade plena a todos os cidadãos brasileiros, pois o indivíduo comprovadamente pobre dificilmente encontra o seu acesso efetivamente garantido à justiça, tendo em vista o que determina o princípio fundamental anterior. Apesar de tudo, a inserção desse dispositivo na Carta Magna vigente assume expressiva relevância, cujo reconhecimento se revela nas palavras de Sarlet (2001, p. 620): “Assim antes tarde do que nunca, pelo menos ainda antes da passagem para o terceiro milênio, a dignidade da pessoa e nesta quadra, a própria humana, merece a devida atenção por parte de nossa ordem jurídica positiva”.

Partindo dessa concepção de dignidade humana, ganha discussão também a questão da efetividade dos direitos fundamentais. Tais direitos estão fundamentados no diploma constitucional por necessitarem de executabilidade imediata, visto que a efetividade dos mesmos se inclui na relação dos direitos individuais do homem mediante determinação expressa no art. 5º, § 1º, da Carta Política, a saber: “As normas definidoras dos direitos e garantias fundamentais têm aplicação imediata”. Na visão de (GUERRA FILHO, 2003), existem vários posicionamentos acerca dos direitos fundamentais, tendo em vista a maneira como eles se evidenciam, o que causa distinções na seara dos direitos humanos. Deste modo, para facilitar os seus estudos, forçosa se faz uma divisão, a fim de que os doutrinadores analisem melhor a eficiência de cada um.

Diante do exposto, mencione-se que concretização de um pleno acesso à justiça implica, objetivamente, na legítima aquisição de direitos postulados em juízo. No entanto, para a tutela de tais direitos, não basta somente o financiamento estatal do sistema judicial. Mais do que isso, é imprescindível examinar todo o contexto sobre o qual se exerce a administração da justiça.

Postado por Antonio de Pádua.

segunda-feira, 9 de janeiro de 2012

O cárcere frente ao problema do incremento da criminalidade e o Princípio da dignidade da pessoa humana

Será se o princípio da dignidade da pessoa humana, fundamento da República Federativa do Brasil, nitidamente observado no texto da Lei de Execução Penal, está sendo respeitado, no sistema carcerário brasileiro? Por que o Estado e a sociedade tratam com tanta indiferença àqueles que erraram e tiveram como penalidades, a privação de suas liberdades?

De fato, quando nos deparamos com a caótica e desumana realidade prisional em nosso país, logo, emerge a ideia de que o Estado parece não está nem um pouco preocupado com o futuro daqueles que foram retirados do convívio social, em razão de uma prática delituosa. A degradante situação em que se encontra o apenado hoje no Brasil é o suficiente para demonstrar a incompetência do Poder Público, em face dos anseios sociais por uma justa e eficaz aplicação das normas.

No entanto, observamos que a solução apresentada, consiste sempre na criação de uma nova lei, que muitas vezes torna-se inaplicável ou acaba estabelecendo penas contraditórias ao delito praticado. A LEP, em particular, foi elaborada com o objetivo de assegurar aos encarcerados os seus direitos fundamentais, os quais possuem no princípio da dignidade da pessoa humana os seus fundamentos basilares. Portanto, essa lei reserva ao preso um tratamento digno, direito esse, garantido a qualquer outra pessoa.

Afinal, a liberdade foi o único bem jurídico atingido, os demais direitos permanecem. Nesse sentido, acentua Rodrigo Moretto , citando Salo de Carvalho que: “a privação da liberdade, quando necessária, deveria respeitar a individualidade do ser humano, pois quem cometeu o fato delituoso não deixa de ser ‘humano’ ou ‘ser humano’ por ter cometido a conduta tida como crime. A pena – privativa de liberdade - deveria restringir-se ao ir e vir, de forma alguma ao interagir” Moretto (Crítica Interdisciplinar da Pena de Prisão, 2005, p.100).

Todavia, o que se constata no vigente sistema de execução penal, é que os reclusos, estão também, sendo condenados as mais terríveis e humilhantes condições de existência, pois vivem amontoados, passam fome e frio, ficam vulneráveis sexualmente, contraem doenças... Ou seja, a lamentável realidade dos apenados, revela uma flagrante ofensa ao texto constitucional e aos tratados internacionais de direitos humanos, dos quais o Brasil é signatário.

Numa outra dimensão, percebemos que a sociedade preserva uma cultura vingativa e insensível ao infrator, e isso, tem influenciado diretamente no modo como o Estado vem se comportando frente aos condenados. E a consequência, de tal comportamento, é expressada no esforço de punir, mas sem o grande interesse de implementar medidas ressocializadoras, que visem reconhecer e valorizar a dignidade dos cumpridores de pena.

Por último, queremos ressaltar, que a ação do Estado com vistas a evitar a reincidência, precisa ser ampliada. É importante e necessário oferecer mecanismos de reabilitação, com a finalidade de impedir os transgressores de voltarem a cometer ilícitos. O papel do Estado em relação ao condenado, não termina com o trânsito em julgado de uma sentença penal condenatória.

Assim sendo, é imprescindível que todos, Estado, sociedade e operadores do Direito, se conscientizem da importância de se amenizar as conseqüências do sistema punitivo, evitando dessa forma, a tendência destruidora do cárcere em relação ao indivíduo que a ele se submete.

Postado por Antonio de Pádua.